INCONSTITUCIONALIDADE DA MEDIDA PROVISÓRIA 936/2020: comentários sobre a redução da jornada de trabalho e salário, ou a suspensão do contrato de trabalho

08 de Abril de 2020

O Governo Federal publicou no dia 01 de abril de 2020 a medida provisória nº. 936 que Institui o “Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda que dispõe sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente do coronavírus (covid-19)”.

São três as principais medidas a serem implementadas: (I) o pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda; (II) a redução proporcional de jornada de trabalho e de salários; e (III) a suspensão temporária do contrato de trabalho.

Ao empregador foi concedida a permissão “legal” de reduzir jornada de trabalho e concomitante salário do empregado em 25% 50% e 70%, por um período de ate 90 dias, mediante “ACORDO INDIVIDUAL” ou negociação coletiva.

Ainda poderá o empregador suspender o contrato de trabalho do empregado e conseqüente pagamento de salário por um período de ate 60 dias, podendo ser fracionado em 02 períodos de 30 dias cada.

Durante o período de redução ou suspensão salarial, o Ministério da Economia irá suprir a redução de salário feita pelo empregador através do pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda.

Para o pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda será utilizado como base de cálculo de pagamento do salário, seja proporcional ou integral, o valor que o empregado receberia de seguro desemprego se o requeresse naquele momento.

Contudo, sabe-se que o cálculo para o seguro desemprego é feito com base em uma media salarial, ou seja, não alcança 100% o salário que o empregado vinha recebendo e limita-se hoje a um teto de R$ 1.813,03. Sendo pago no caso da redução de 25%, 50% e 70%, o que seria do seguro desemprego, e no caso da suspensão, a parcela equivalente de 100% do seguro desemprego.

DA INCONSTITUCIONALIDADE DA IRREDUTIBILIDADE SALARIAL POR ACORDO INDIVIDUAL

A Medida Provisória no seu artigo 7º inciso II prevê a possibilidade de redução de jornada de trabalho de 25%, 50% e 70% concomitante com a redução de salário para os empregados.

A redução de 25% de salário e jornada poderá ser feita mediante acordo INDIVIDUAL de trabalho para todos empregados independente da faixa etária de salário. A redução de jornada/salário de 50% e 70% só poderá ser feita mediante acordo INDIVIDUAL de trabalho aos empregados com salário igual ou inferior a R$ 3.135,01 e, portadores de diploma de nível superior e salário igual ou superior a R$ 12.202,12.

Para os empregados com salário entre R$ 3.1350,02 e R$ 12.202,11 a redução de 50% e 70% somente poderá ser feita por negociação coletiva

Em rota de colisão ao texto da Medida Provisória (ou melhor, a MP é que está em rota de colisão) há a Constituição Federal da República, que prevê em seu artigo 7º, inciso VI o principio da "irredutibilidade salarial”, salvo disposto em CONVENÇÃO COLETIVA ou ACORDO COLETIVO.

A Constituição Federal dispõe também do “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho” (artigo 7º, inciso XXVI), cada parte representada por seus respectivos sindicatos.

Neste contexto nota-se a afronta direta da lei sobre a Constituição, e ao principio Constitucional que garante a irrenunciabilidade salarial, salvo feita mediante negociação coletiva. Percebe-se que o legislador ao exigir que a redução salarial só ocorresse mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho estava coibindo a prática abusiva por parte do empregador diante de seu poder diretivo.

Ao empregado deve ser preservado o direito a irredutibilidade salarial, e garantido o pagamento de seu salário integral, principal fonte de sua substância, sendo o meio pelo qual lhe provem a sua sobrevivência e de sua família.

A imposição de redução de jornada de trabalho com a conseqüente redução salarial ao empregado mediante acordo individual representa violação de direitos e princípios, a citar:

PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE SALARIAL: Consiste na vedação à redução nominal do salário, assegurada pelo Artigo 7º, VI da CF/88, salvo disposto em convenção ou acordo coletivo.
PRINCÍPIO DA INALTERABILIDADE CONTRATUAL LESIVA: São vedadas alterações contratuais que resultem em prejuízo ao trabalhador A este princípio se aplica uma exceção, de acordo com o art.º 7 da Constituição Federal, prevendo redução de salário por meio de negociação coletiva (aquela realizada por sindicatos).
PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE SALARIAL Esse princípio protege a contraprestação máxima da prática laboral, ou seja, o salário. Diversos dispositivos reforçam esse princípio, como o art. 468 da CLT, que veta qualquer mudança que não seja benéfica ao trabalhador.
Reduzir o salário do empregado é uma medida extrema dentro da relação empresa-empregado, por isso a exigência do Constituinte ao impor que para que seja feito, precise passar pelo crivo do representante sindical dos empregados, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. Sem a representação da Classe profissional (sindicato dos empregados) a redução salarial é inscontitucional, estando o empregado a mercê de todo e qualquer o tipo de “abuso” por parte do empregador.

Ademais, se a Constituição elevou o principio da irredutibilidade salarial a uma hierarquia maior, só permitindo o arbitramento por convenção ou acordo coletivo (art. 7º, VI), nem a Medida Provisória convertida em lei poderá autorizá-la, face ao texto expresso.

Conclui-se que por força Constitucional é vedado ao empregador mediante acordo individual a redução salarial do empregado, e por este motivo o artigo 7º da medida provisória 936 de abril de 2020 é inconstitucional, ferindo o direito do trabalhador.

Diante de toda a repercussão de inconstitucionalidade acima comentada, no dia 02 de abril de 2020 foi proposta no Supremo Tribunal Federal a ADI nº. 6363 (Ação Direta de Inconstitucionalidade), tratando da inconstitucionalidade da redução de salário e suspensão de contrato dos empregados mediante acordo individual de trabalho.

O Ministro Ricardo Lewandowski, ainda em medida cautelar (em caráter liminar e monocraticamente), deferiu a tutela (em 06/04/2020) de que só terá validade a redução salarial, bem como a suspensão temporária de contrato de trabalho, ainda que feitos mediante acordo individual, se notificados ao sindicato dos trabalhadores em até 10 dias após o pacto feito entre e empresa e empregado, para que o sindicato possa se manifestar sobre sua validade, e, ante o silêncio do sindicato, só assim, será considerado válido.

Assim, até que a ADI seja julgada pelo Plenário do STF, permanece a medida cautelar definida pelo Ministro Lewandowski, ou seja, para que tenha validade o acordo individual de redução de salário e suspensão do contrato, precisa ser notificado o sindicato em até 10 dias após o pactuado entre as partes que deverá concordar (“homologar” ou não o acordo individual) para que tenha validade.

A medida cautelar coíbe em partes o abuso do empregador nas relações contratuais, contudo manter a autorização a redução de salário mediante acordo individual (pactuado entre empresa e empregado), e posteriormente num prazo de 10 dias exigir um mero “protocolo” ao sindicato (o que na prática sabemos que é o que vai ocorrer) não é garantir direitos ao trabalhador, é simplesmente encapá-los de uma falsa sensação de garantia constitucional que pela primazia de realidade não estará sendo exercido.

Por último é preciso lembrar que uma Medida Provisória tem aplicação imediata mas depende de chancela do Congresso Nacional, ou seja, o texto poderá sofrer alterações ou mesmo ser “revogado” parcial ou completamente.

 

Balneário Camboriú, SC, 07/04/2020

PATRÍCIA RAMOS (OAB/SC 56.529), Advogada Trabalhista no escritório OZAWA Advogados

 

 

Boletim Informativo, Científico e Cultural.

OZAWA Advogados (OAB/SC 2961).

www.ozawa.com.br

(*) Nos exatos termos do artigo 45 da Resolução 02/2015 (Código de Ética e Disciplina) do Conselho Federal da OAB e dos princípios de seu Capítulo VIII.